Em um cenário de crescimento econômico e descobertas na área do petróleo, a produção científica brasileira foi alçada a patamares até então inéditos. Em cerca de 10 anos, a área de pesquisa deu um grande salto, tanto em quantidade quanto em qualidade, praticamente triplicando a participação dos pesquisadores brasileiros em relação ao total de pesquisas produzidas mundialmente, de cerca de 1% para 3%.
Para Patricia Pranke, professora da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e participante do Instituto de Pesquisa com Células-tronco, houve uma grande mudança no cenário de pesquisas brasileiro. "A liberação de verbas aumentou nos últimos anos, antigamente era muito mais concorrido para se conseguir apoio à pesquisa", comemora. Além disso, a professora ressalta o crescimento do intercâmbio de pesquisadores entre o Brasil e outros países, com grande investimento governamental em projetos como o Ciência Sem Fronteiras, do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Entretanto, apesar dos avanços,ainda existem dificuldades e entraves, especialmente em aspectos como o tempo de importação de produtos para as pesquisas, além da demora para a aprovação de documentos. Mesmo tratando-se de um tema delicado e ainda novo para legislações de todo o mundo, a professora destaca a lentidão nesses processos, que podem demorar até dois anos quando envolvem células-tronco embrionárias. "Tem que ser aprovado pelo comitê, é claro, mas é muita burocracia; às vezes, o projeto volta umas cinco vezes", relata.
O principal ponto de crítica é a excessiva burocracia. Acostumada com os processos para liberação de verbas, Patricia afirma que chega a passar até um terço de seu horário de trabalho envolvida com questões legais: "Nós, pesquisadores, perdemos muito tempo com prestação de contas, e é um tempo muito nobre, que poderia ser usado para fazer pesquisa. A gente se envolve demais nisso".
Os entraves burocráticos são umas das grandes deficiências ainda existentes, concorda Barral Netto, o que muitas vezes afasta o pesquisador de suas funções principais, transformando-o em burocrata. "É um grande problema no Brasil: a gente tem muito apoio para ciência e tecnologia, mas, em contrapartida, o próprio pesquisador precisa assumir serviços de administração que não fazem parte de suas funções. A atividade burocrática deveria estar sendo feita por outras pessoas".
Uma das razões para isso, segundo o Diretor de Cooperação Institucional do CNPq, é o uso de uma legislação que não foi feita para a área de Ciência e Tecnologia. Entretanto, ele afirma que já está em andamento no Congresso Nacional um novo projeto para mudar a legislação da área, substituindo a atual por uma mais adequada à operação de ciência nos centros de pesquisa, em um prazo "não muito longo".
Segundo Barral Netto, outra deficiência do país é a formação de profissionais qualificados, além da falta de parcerias com grandes empresas. "Esse é o grande ponto da nossa situação atual: formamos pouco mais de 12 mil doutores por ano. Além de dinheiro, você precisa ter gente capaz de utilizar bem esses recursos, e nós temos de formar um profissional com perfil mais atrativo para a empresa. O grande problema do Brasil ainda é falta de pessoal", conclui.
A professora da Faculdade de Farmácia da UFRGS também é favorável às parcerias entre os centros de pesquisa e o setor produtivo, afirmando que elas são positivas para o crescimento científico nacional, ao promover um intercâmbio entre as esferas pública e privada. Por outro lado, Patrícia acredita que o país ainda precisa progredir bastante no investimento em patentes, seguindo o exemplo de países que são referências no tema, como EUA, Japão e Coreia do Sul: "Para produzir tecnologia e inovação tem de haver pesquisa, e o Brasil ainda é muito carente de patentes".
Para José Carlos Pinto, professor de Engenharia Química da UFRJ, a cooperação entre empresas e laboratórios de pesquisa deve ser vista com cautela, pois, em alguns casos, pode haver uma dependência dos centros em relação à iniciativa privada, causada pela falta de verbas públicas para as instituições. "Nós temos muito investimento em infraestrutura, mas ele não é acompanhado de verbas para a manutenção dos laboratórios. A pesquisa cientifica de ponta é muito cara, os campi brasileiro viraram um campo de obras e as universidades estão crescendo, mas também é necessário suporte para infraestrutura. O País deveria ter um programa mais consistente de manutenção das atividades dos grandes laboratórios", afirma. Consequentemente, acrescenta Pinto, ocorre um excesso de serviços prestados para a iniciativa privada: "Os laboratórios onde são feitas as pesquisas de ponta têm se mantido com prestação de serviços para grandes empresas, o que sobrecarrega a quantidade de trabalho feita neles".
Essas parcerias são necessárias, mas sem que as empresas monopolizem os trabalhos dentro dos laboratórios. "A interface com o setor privado é fundamental, mas os grandes laboratórios não podem depender unicamente desses serviços. A ciência não deve estar refém da atividade produtiva: é preciso que haja fontes de financiamento do governo federal".
Apesar das deficiências e dificuldades ainda enfrentadas, para grande parte da comunidade científica brasileira, o cenário é bastante promissor: "Não está uma maravilha, mas eu tenho uma visão muito otimista. Houve avanços na estrutura e no desenvolvimento das universidades brasileiras", destaca o professor de Engenharia Química da UFRJ. Porém, com as conquistas, surgem novos desafios, que demandam um maior número de esforços e ações, como ressalta Pinto: "Ainda falta fomento consistente para a produção científica, e isso é efeito do ponto em que chegamos. A atividade de geração de conhecimento não deve ser relegada a um segundo plano".
Fonte;
Terra
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